Discografia comentada | The Piper at the Gates of Dawn (1967)
- Renato Moog
- 14 de dez. de 2017
- 6 min de leitura

É o primeiro álbum de estúdio, e foi gravado no mítico estúdio Abbey Road, em Londres.

O título foi retirado de um dos livros favoritos de Syd Barrett, "The Wind in the Willows" (O Vento nos Salgueiros), de Kenneth Grahame. Em determinado capítulo, um Rato e uma Toupeira têm experiência religiosa ao procurarem um animal perdido: "este é o local do meu sonho, onde eu ouvi a música" segredou o Rato em transe. "Aqui é o meu local sagrado, se o pudermos encontrar em algum lado, é aqui". O flautista (em inglês: piper) é identificado com o Deus grego Pan.
Conta-se que Grahame escreveu histórias para entreter o filho sem imaginar que, reunidas estas em um volume e publicadas, tornariam-se grande sucesso literário. Os personagens são animais que vivem no mesmo ambiente dos seres humanos. Eles têm os mesmos sonhos e frustrações das pessoas, os mesmos impulsos e valores; são, na verdade, representações de nossos comportamentos.

Se não bastasse a importância da obra inicial do grupo, também representa o único trabalho da banda liderado de forma integral por Syd Barret, que era esquizofrênico, fato só descoberto muito tempo depois. Após a gravação do álbum, o início do abuso de LSD por Syd acabou alavancando a esquizofrenia, que o faria deixar o grupo algum tempo depois. De fato, a atmosfera do disco, gravado no mítico estúdio Abbey Road, em Londres, é colorida, embora sob a lente perceptiva da droga consumida à época por muitos músicos.
A idéia geral a respeito das drogas nas décadas de 1960 e 1970 era totalmente diferente dos dias atuais, responsável por grande celeuma social. Há trinta, quarenta anos, as drogas como o LSD eram vistas como forma de libertação, de se enxergar o que ninguém via, principalmente, na música. No seu livro de 1976, "LSD: O meu filho problemático", o químico suíço Albert Hofmann, disse que em 1943 descobriu fortuitamente os efeitos psicadélicos do LSD, e se tornou a primeira cobaia humana de uma trip de ácido. Começa assim um dos capítulos: “Já ouvi e li inúmeras vezes que o LSD foi descoberto acidentalmente. Isso não é totalmente verdade. O LSD nasceu de um programa de investigação sistemático e o 'acidente’ só aconteceu muito mais tarde”. Entretanto, o LSD começou a ser utilizado para fins puramente recreativos. Entre as pessoas que o experimentaram e que divulgaram as suas experiências encontram-se celebridades como o escritor Aldous Huxley e o ator Cary Grant. A festa acabou em 1966, quando a imprensa começou a revelar casos de jovens que se atiravam pelas janelas, que se tornavam psicóticos, ou que olhavam para o Sol até ficarem cegos. Quando o LSD se tornou ilegal, Leary e outros gurus da geração psicadélica foram presos nos EUA, no meio de um violento debate social. O consumo de LSD continua hoje, embora com menor impacto.
Coincidências à parte, o psicodélico "Sgt. Pepper’s Lonely Heart Club Band" dos Beatles também foi gravado no mítico estúdio de Abbey Road, e no mesmo período. Sgt Pepper’s e Piper Gates se afiguram divisores de águas não só para as próprias bandas, mas para toda a comunidade do rock e música popular.

As músicas de "The Piper At The Gates Of Dawn" (1967) são cativantes, melódicas, construídas em sua grande maioria com efeitos sonoros das mais variadas espécies, e utilização notável de stereo. As base harmônicas são geralmente em tons maiores, como "The Gnome" e "Bike".
Nesta época Richard Wright utilizava como seu principal instrumento o órgão italiano Farfisa, transistorizado, e assim foi até o álbum "The Dark Side of the Moon", quando passou a utilizar um órgão hammond. Foi também utilizado por outros músicos de destaque, como Al Kooper, Michael MacNeil, Keith Emerson e Clint Boon. O modelo "Duo Compact", predileto de Wright, era construído nas cores cinza e preto em tolex, cujo teclado superior conta com quatro oitavas e nove seletores: 16 'Bass, Strings; 8 'Flauta, Oboé, Trompete, Cordas; 4 'Flauta, Cordas; 2-2 / 3 '(flauta), brilho, e o teclado inferior contém quatro oitavas com três seletores: Dolce, Principale, Ottava.
Características:
4 configurações de vibrato
3 configurações de reverb
Multi-Tone Booster
Swell (expressão) pedal + controle de joelho para Multi-Tone Booster
Controle de volume de notas baixas, sustain, sharp e percussão.
Saída de baixo 1/4 "
Controle de volume manual mais baixo
Controle Brilliance que só funciona com a guia 2-2 / 3 (flauta).
Já no final de sua vida, o tecladista voltou a utilizar o instrumento. O órgão é bem notado em praticamente toda a obra, não só nas bases, mas também em solos - por exemplo, Chapter 24, com cromatismos e dissonâncias responsáveis por um som até certo ponto misterioso, mas sempre correto e inspirado.

David Gilmour não era músico da banda ainda, razão pela qual as guitarras, tocadas por Syd Barrett, apresentam sonoridade diferente dos demais discos do Pink Floyd.
A música "Lucifer Sam" pode ser enquadrada no estilo "surf music psicodélica", assim como "Interstellar Overdrive". "Take Up Thy Stethoscope And Walk" é rock puro, roots, bem retratando o espírito do final da década de 1960, inclusive pelo clima do órgão farfisa imprimido por Wright. Gosto
muito da música "Flaming".

Sobre "Matilda Mother", interessante anotar que Syd citou versos do livro "Cautionary Tales for Children", escrito no final do século XIX por Hilaire Belloc, na qual uma série de crianças desobedientes, incluindo Matilda, recebem castigos: "Matilda: Who told Lies, and was Burned to Death". Na década de 1960, o livro era muito popular com o público jovem na Grã-Bretanha, e com Syd Barrett não era diferente, que amava contos infantis, e, assim, "Matilda Mother" foi inspirada pelas histórias de Jim, Henry, e Matilda, no livro, sobre uma mãe lendo contos de advertências para uma criança. Na canção, o primeiro verso era sobre Jim, o segundo verso sobre Henry, e o refrão sobre Matilda, com um coro de "Oh mãe, me conte mais," que era a criança pedindo à mãe para não interromper a leitura.
No entanto, Syd foi forçado a reescrever e voltar a gravar a faixa quando teve negada a permissão para usar os versos em sua letra. A versão baseada no livro de Belloc foi lançado posteriormente, em uma reedição do 40º aniversário de "The Piper at the Gates of Dawn" .
MATILDA
Who told Lies, and was Burned to Death

Matilda told such Dreadful Lies,
It made one Gasp and Stretch one's Eyes;
Her Aunt, who, from her Earliest Youth,
Had kept a Strict Regard for Truth,
Attempted to Believe Matilda:
The effort very nearly killed her,
And would have done so, had not She
Discovered this Infirmity.

For once, towards the Close of Day,
Matilda, growing tired of play,
And finding she was left alone,
Went tiptoe to the Telephone
And summoned the Immediate Aid
Of London's Noble Fire-Brigade.

Within an hour the Gallant Band
Were pouring in on every hand,
From Putney, Hackney Downs, and Bow.
With Courage high and Hearts a-glow,
They galloped, roaring through the Town,
"Matilda's House is Burning Down!"
Inspired by British Cheers and Loud
Proceeding from the Frenzied Crowd,
They ran their ladders through a score
Of windows on the Ball Room Floor;
And took Peculiar Pains to Souse
The Pictures up and down the House,
Until Matilda's Aunt succeeded
In showing them they were not needed;

And even then she had to pay
To get the Men to go away!
It happened that a few Weeks later
Her Aunt was off to the Theatre
To see that Interesting Play
The Second Mrs. Tanqueray.
She had refused to take her Niece
To hear this Entertaining Piece:
A Deprivation Just and Wise
To Punish her for Telling Lies.
That Night a Fire did break out—
You should have heard Matilda Shout!

You should have heard her Scream and Bawl,
And throw the window up and call
To People passing in the Street—
(The rapidly increasing Heat
Encouraging her to obtain
Their confidence)—but all in vain!
For every time she shouted "Fire!"
They only answered "Little Liar!"

And therefore when her Aunt returned,
Matilda, and the House, were Burned.

O lançamento do álbum nos EUA foi marcado com a turnê da banda naquele país. No Reino Unido, nenhum single foi lançado do álbum, mas nos EUA "Flaming" foi oferecido como um single. A versão dos EUA do álbum possui uma lista de trilhas reorganizada e contém o single do Reino Unido "See Emily Play". Duas das músicas do álbum, "Astronomy Domine" e "Interstellar Overdrive", tornaram -seos principais destaques da lista de shows ao vivo da banda, enquanto outras músicas foram tocadas ao vivo apenas algumas vezes.
Desde seu lançamento, o álbum foi saudado como um dos melhores álbuns de rock psicodélico . Em 1973, foi embalado com o segundo álbum da banda, "A Saucerful of Secrets", e lançado como "A Nice Pair" para apresentar novos fãs aos primeiros trabalhos da banda após o sucesso de "The Dark Side of the Moon". Edições limitadas especiais de "The Piper at the Gates of Dawn" foram emitidas para marcar seus trigésimo e quadragésimo aniversários, em 1997 e 2007, respectivamente, com a última versão contendo faixas bônus.

Em 2012, "The Piper at the Gates of Dawn" foi eleito 347º na lista da revista Rolling Stone dos "500 melhores álbuns de todos os tempos".